sábado, 26 de dezembro de 2015

Fagulha



Ali estava eu, deitado sob uma madrugada poética que representava um limiar ilusório entre um dia e outro. Sempre considerei essa representação uma bobagem, pois não creio que algumas horas de repouso vão mudar minha realidade. Penso que a madrugada tem uma função muito mais relevante que essa. Para mim, ela significa um período para viver aquilo que o mundo não proporciona de uma forma única. Além disso, mentalizar coisas profundas é uma forma de vivê-las.

Naquele dia, meu sono foi diferente. Acordei bem mais cedo do que de costume, não estava nem perto de amanhecer. Preocupado, eu tinha esquecido de pagar a conta de energia. Foi inacreditável, eu andava pela casa e via tudo escuro. Era o mesmo lar em que eu vivia minhas tardes, mas sem o brilho vindo da rua iluminada. Era como se, sem luz, o meu quarto virasse uma prisão. Fui à janela para tentar encontrar alguma estrela no céu, mas não enxerguei nada. Tranquei-me com raiva e fui deitar-me.

Era bizarro, não sentia a claridade do sol nem conseguia ler os poemas que a lua me trazia toda vez que eu a mirava. Não era dia nem noite, Não era nada. Sentei-me no chão e comecei a chorar sem compreender o que estava acontecendo. Foi um choro incomum, totalmente sem motivo, que lavou minha alma, como se estivesse exterminando tudo o que eu guardei nos momentos que quis parecer forte.

Um lágrima caiu no meu pé e senti uma força aparecer no ar. Reabri a janela e o céu estava ficando claro novamente. A forma como o sol surgia era impressionante. Eu me lembrei do sentimento que tive quando vi uma cena de um filme na qual uma mulher olhava para a paisagem com uma fagulha de esperança, depois de sofrer muito, sentindo que a dor havia sido sentida e compreendida e que, depois de tudo, poderia recomeçar.

Zeca Lemos




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