terça-feira, 26 de maio de 2015

Um brinde ao fracasso



Eu sempre tentei deixar essa questão definida, mas sempre pareceu uma utopia. Já eram alguns anos de situações quase diárias absurdas, que quase eram constantes, tamanha a frequência com que aconteciam. Uma série de remorsos costumava acumular-se dentro de mim como velhos amigos de uma vida passada.

E os dias existiam para me fazer reviver os momentos mais sombrios daquela situação. Aquele casamento até tinha dado certo no começo, mas começou a desandar, como acontece com qualquer relação que realmente tenha sentimento envolvido. Eu o via quase todos os dias rapidamente e às vezes conversava um pouco. Nossos diálogos eram meio divertidos. No momento pareciam insignificantes, mas depois traziam lembranças para semanas e mais semanas.

Era estranho, quando eu ia lembrar-me da voz dele, todos os meus monstros queriam sair para brincar. O quintal da minha mente se transformava numa balbúrdia e eu viajava para algum lugar que tinha acabado de ser inventado. Chegava a esse local e cada demônio dava uma mordida em um pedacinho da minha carne, de modo que os fragmentos se desestruturavam como alguém depois de ter um objetivo frustrado.

Essas coisas eu preferia deixar só para mim. Nunca fui tímida, mas acredito que aquelas bizarrices não precisavam ser compartilhadas com ninguém. Não tinha uma hora certa para acontecer, mas meu interior ficava mais leve na hora mais escura do dia, um pouco antes do amanhecer. O tal do ruído de sofrimento saía e voltava ao meu corpo em pouco tempo.

Eu quase sempre acordava com a perspectiva de enterrar esse peso na terra, falando com ele tudo o que me diziam as madrugadas. Realmente era difícil dançar nas festas com aquele encosto nas costas. E aquele foi mais um dia de tentativa. Tive oportunidade de vê-lo pela manhã, mas preferi ir com bastante calma. Ele subiu numa escada nas proximidades e eu então me prometi que subiria também.

Fiquei alguns minutos conversando com minhas amigas em uma mesa para aliviar um pouco o nervosismo. Entretanto, quando eu já me preparava para o encontro, ele veio descendo. Lenta e maravilhosamente, como um tesouro que se fundia ao aroma do ar daquele momento. Eu me movi e até cheguei a achar que estava indo na direção certa, mas não foi o bastante. Nossos olhares se chocaram por alguns segundos, ele sorriu mostrando os dentes e virou à direita.
Que desespero cruel! Que fracasso poético! E eu me vi numa cena de uma comédia do Nicolás Lopez invertida. Houve um contato que esteve a alguns milímetros do real. E eu estava condenada a pensar no que tinha deixado de fazer. Caminhando na vizinhança da plenitude do paraíso, encontrei o diabo mais rico que meu corpo tinha a oferecer.

Zeca Lemos