sexta-feira, 17 de março de 2017

Enverga varal

Resultado de imagem para guarani 6 x 0 abc
Era noite de um sábado em que haveria o jogo de volta de uma semifinal da Série C. O Guarani ia enfrentar o ABC no Brinco de Ouro da Princesa, em Campinas. Estava em uma desvantagem que muitos consideravam impossível de reverter: havia perdido de 4 x 0 na partida de ida e precisaria vencer por cinco ou mais gols de diferença.
O jogo começou, e o estádio não estava lotado, mas os poucos que estavam presentes, no fundo, acreditavam no impossível. Mesmo as estatísticas estando contra o bugre, a torcida foi apoiar. Primeiro lance de perigo: falta quase na lateral do campo; a bola foi levantada e desviou para morrer no fundo das redes. Gol do Guarani! E o torcedor bugrino sentia que podia acreditar. Quem sabe as portas do milagre não estariam se abrindo? Próximo lance, falta com certa distância para a trave. Cobrança perfeita: era o segundo gol do Guarani, e o estádio sentia o cheiro de milagre. Vez do ABC: o time alvinegro chegou pelo lado direito e cruzou rasteiro. O desvio leve fez todos acreditarem que era gol. Mas não: inacreditavelmente, a bola bateu na trave. O locutor não acreditava no que via.
Começou o segundo tempo, e o bugre não parava de acreditar. Passe na área, chute no canto da rede. Podia ouvir a narração emocionada: "Gol do bugre! Gol do bugre! Gol do bugre!". Cada vez mais, o milagre ficava perto. Chegava o Guarani novamente. A bola bateu na zaga, voltou e entrou caprichosamente. 4 x 0, o placar estava devolvido. A emoção do narrador era indescritível: "Meu Deus do céu! Eu conheço camisa pesada, mas igual a essa tá pra nascer! Essa camisa não enverga varal, ela destrói varal! Ela arrebenta com o varal!" Por alguns instantes, uma narração esportiva virava poesia.
E o bugre não deixava os poemas futebolísticos pararem: "1% de chance, 99% de fé, esse é o lema do Guarani nessa Série C. Gol do bugre! Meu Deus do céu, é do Guarani! Nunca mais alguém vai esquecer dessa noite: 23 de outubro de 2016. Deus vestiu a camisa do Guarani. A camisa envergou tanto varal que foi parar no céu! Deus foi bugrino nessa noite!". Parecia irreal o que estava acontecendo, o Guarani estava fazendo o impossível virar realidade. Mas ainda não tinha acabado. O sexto gol ainda viria, com mais uma catarse poética do locutor: "Gol do Guarani! Gol do Guarani! Gol do Guarani! É gol do bugre! É finalista! É imenso! É gigantesco! Deus do céu! Você é lindo, Guarani! Você é fantástico, Guarani!". A partida teve fim e, quase sem voz, o narrador celebrava o triunfo: "É fim de jogo! Enorme Guarani Futebol Clube! Enorme bugre finalista! Impossível não existe no futebol!".
E depois de tantos percalços, o torcedor bugrino podia sorrir sem saber até quando. Tinha recuperado o gosto, o orgulho e o amor de torcer e vibrar com o Guarani. Aquele dia mostrou que, realmente, o impossível não existe. Não passa de uma palavra grande que designa o que não acreditam que pode acontecer. Apenas os covardes acreditam que certos sonhos são impossíveis. E, para o Guarani e sua massa, nunca nenhum sonho haveria de ser chamado de impossível. Nem o céu, as estrelas e o mar eram mais bonitos que a felicidade do bugrino naquela noite. Nada era maior nem mais belo do que a alegria de amar uma camisa pesada como aquela.

Zeca Lemos