sábado, 26 de março de 2016

A pequena eternidade



Eu sempre escolhia os piores momentos para contar as coisas que meu interior devia saber. Tinha passado muitos anos num ingrato cargo: era um jornalista que vivia como eterno turista, viajando pelo mundo sem ter uma moradia fixa. Durante muito tempo, essa ocupação tinha sido um sonho meu; depois que a concretizei, ela passou a ser motivo de pesadelos diários. Nunca tinha pensado que seria tão ruim não ter uma vida convencional. Quando eu era colegial, pensava que ter uma rotina era a maior maldição que um sonhador poderia possuir.

Foram pouco mais de 15 anos levando a vida desse jeito. Minha rotina de viajante me corroía, mesmo quando algo interessante acontecia, eu sentia a sensação de que aquilo não tinha sido feito para mim. Um dia, surgiu a oportunidade de voltar a minha cidade por alguns dias. A ansiedade no voo era inexplicável, via as fotos dos lugares nas revistas e já começava a imaginar o que aconteceria quando eu chegasse lá.

Cheguei lá num sábado. O dia parecia agradável: o céu estava ensolarado, mas não sentia calor. Reencontrei alguns familiares e fui à praia. O azul do mar me pareceu lindo como nunca; ele e o sol formavam uma obra de arte que, naquele momento, superava qualquer quadro impressionista. Não demorei muito e voltei ao hotel rapidamente.

Como fazia quando era adolescente, fui à banca do bairro e comprei o jornal do dia. Procurei a padaria mais próxima para sentar e lê-lo com calma. Naquela hora, eu senti o que os poetas costumavam chamar de saudade. Lembrei dos dias que lia as notícias no café da manhã com uma barba mal feita no rosto. Li no caderno de cultura que teria um show num lugar que eu frequentava bastante à noite e decidi ir.

Cheguei lá e estava desanimado. Antes dos portões abrirem, escutei alguém proferindo meu nome. Até deu para sentir nostalgia de alguns momentos que fiquei feliz por falar com alguém, mas não me emocionei. Quando virei o rosto, vi que era uma amiga que eu gostara bastante. Ela tinha mudado muito, nem sei como me reconheceu. Apesar de não lembrar muito bem das coisas que tinha vivido perto dela, fiquei alegre.

Nós fomos conversando e eu fui aos poucos lembrando das paixões adolescentes que tivera. Era estranho: algumas coisas mortas pareciam ainda possuir traços de vida. Eu ia me recordando das coisas do colégio, e não parecia que eram memórias, parecia algo vivo. À medida que o tempo ia passando e os meus arquivos clareavam, ela ia se transformando no paraíso.

Era loucura: quanto mais o diálogo fluía, mais escassas minha palavras ficavam. Eu ficava acabado com ela me chamando pelo nome, tudo que eu queria era me acovardar e fugir para o tédio do meu trabalho. Sentia uma vontade imensa de voltar ao passado e fazer diferente. Nunca tinha chegado tão perto da eternidade. E ela merecia tudo: minhas palavras, meus sentimentos, minhas poesias e tudo o que eu tivesse de melhor para dar.

A noite ficou perto de acabar e o término parecia inevitável. Era aquilo mesmo: não era capaz de fazer as coisas que considerava extraordinárias, não tinha poder para investir na tão estimada felicidade. Queria voltar no tempo e mudar todas as coisas. Eu odiava o adolescente imbecil que tinha sido. Odiava-o com todo o ódio que me habitava. Odiava os desejos estúpidos de viver perigosamente, a falta de apreço pela arte de sonhar construir algo com alguém amado. O maior pecado que cometi foi ter tido medo de construir uma família com ela. Foi vulgar e eu nunca me perdoaria. Como não tinha mais como fazer nada, mentalizei-a com o título mais belo possível: uma pequena eternidade.

Zeca Lemos