terça-feira, 18 de agosto de 2015

Quero fazer um som



Queria produzir um som que chamasse a atenção de alguém, que fizesse algum ouvido ficar desconcentrado do mundo e se concentrasse nele. Esse timbre que eu estou falando não é música, nem é som de publicidade, é algo que emana de minha boca sem causa e sem efeito. Sempre fui apaixonado pela cultura do rádio. Não escondo que uma das principais lembranças da minha adolescência foi o dia em que eu fiquei acordado até o amanhecer.

Meu encantamento decorria da sonoridade que o rádio trazia para a minha mente. Eu ouvia, mas não via; eu respirava, mas não sentia. Era fenomenal, como ter noção de uma coisa sem vê-la fazia minha cabeça ficar inventiva. Era como o que eu via na televisão naqueles fins de semana em família, apenas de uma forma muito mais evoluída.

O dia seguinte do deleite com as vozes do rádio foi bem atípico, acordei com um humor meio ruim. Tinha sonhado com algo estranho na madrugada, mas meu consciente não conseguiu identificar qual era a raiz do tal pesadelo.

O absurdo e o desconhecido sempre significaram algo próximo de mim, mas naquele caso o prenúncio era diferente. Fui tomar meu café da manhã numa lanchonete próxima da minha casa, perto do centro histórico, mais ou menos na altura do Solar da Marquesa de Santos. Estava sem muita fome, tomei apenas um copo de água com um croquete, onde havia uma jovem na mesa ao lado.

O rosto dela me lembrou algo recente, mas também muito distante da realidade. Saí dali e fui resolver umas coisas com uma amiga. O clima do ambiente ficou meio mórbido, ela falou uma coisa e, quando pronunciava uma palavra, eu ficava pensando que teria ouvido aquela voz em outro lugar, em outro tempo. Parecia que tudo ia combinar-se com algo conspiratório, mas meu tempo precisava ser otimizado, refletindo sobre algo mais útil.

Pela noite, uma atmosfera feliz tomou conta de mim. Comecei a ficar ciente das tantas coisas que ignorei e das muitas vezes que nenhum desafio me apareceu, Recordei o modo como eu via a alma das pessoas por fora e como o olhar delas formava um espelho do que elas sentiriam. Tomei um gole de tequila e tornei a rir, pois sabia que tudo isso que eu formalizava na minha mente nunca sairia dela.

Zeca Lemos