terça-feira, 4 de agosto de 2015

Acontecia alguma coisa



Eu estava numa casa bastante comum, pelo que me recordo. Não era muito grande, tinha apenas dois ou três quartos. Nada muito enfeitado, só havia alguns quadros convencionais nas paredes dos banheiros. Não me lembro exatamente por que estava lá, mas alguma coisa aconteceu. Foi um período turbulento para mim; tinha sido o ano em que meus pensamentos mudaram e em que descobri a profundidade de algumas realidades que eu vivenciava.

Eu conversava com muitas pessoas, fazia diversas atividades com a intensidade refletida e espiritualizada. Acho que nunca parei para pensar por que eu estava ali e por que era daquele jeito, embora momentos para pensar nunca me faltassem. Eram várias as ocasiões que me transportavam para o céu. Imaginar que algum sonho meu podia realizar-se, memorizar frases que eu escutava proferidas por pessoas de longe, conversar com alguém e não me cansar. Fico impressionado de constatar que o conceito de paraíso era tão abrangente para a minha cabeça.

Era tudo tão diferente e tão saboroso de viver! Filmes, músicas, lembranças, e sobretudo pessoas. O que a minha vida tinha de mais belo era a capacidade de falar, analisar e propagar impressões sobre quem eu via. Toda vez que algo faltava, tentava recordar-me de alguma experiência pitoresca que tinha ficado como especial, e hoje reconheço que nunca tive dificuldades de executar qualquer atividade. Incrível isso!

Mesmo quando eu me via sem nada, sentia uma fagulha de esperança. Em certas horas o meu cotidiano parecia sem explicação. Havia alguns lugares que eram quase que rotineiros, mas toda vez que eu ia lá sentia como se nunca tivesse visto a paisagem. Encontrava certas pessoas que eu  não conhecia, mas sentia sintonia perfeita.

Não, não era uma narrativa. Não era uma história com personagens, tempo, espaço, conflitos e desfecho. Não existia nada disso. Não havia espaço para deduções, lógicas, aprofundamentos, racionalizações...Tudo isso era inexistente. No meu "mundo" só havia dezenas de estruturas enigmáticas que se batiam aleatoriamente, contradizendo o que teria existido segundos atrás.

Zeca Lemos