sábado, 28 de fevereiro de 2015

Nuances





Aquela oportunidade não era o final nem o início. Era difícil dizer o que aquilo tinha sido. Parecia apenas uma voz ecoando em ritmo violento na atmosfera; origem desconhecida e paradeiro indefinido, mas existente e até chamativa no lugar.

Estava disposto a viver mais uma segunda-feira, mas se levantou sentindo que tinha algo mais por vir. Sentimento totalmente infundado, mas de uma força inexplicável. Por trás de cada instante, sempre existe a possibilidade de acontecer o inesperado. Apesar de já ter acontecido com diversas pessoas, ninguém imagina que possa realmente tirar um zero num teste, por exemplo, imagine na vida!

Tinha feito uma prova ruim durante a semana passada e o resultado foi entregue mais rápido que o esperado. Havia cumprimentado o professor pouco antes de a aula começar. Passados alguns minutos, ele começou a entregar as provas; quando chegou ao seu nome, pronunciou-o com uma voz embargada. Após caminhar para saber o seu desempenho, o professor falou brevemente algumas amenidades sobre o resultado, como se a folha da prova fosse sinônimo de tragédia.

Até chegar ao seu lugar, fez alguns movimentos com o papel, dissimulando ver a nota, mas só analisando alguns detalhes avulsos. Quase já sentando, virou a folha involuntariamente e olhou o resultado. Jamais nada esteve mais claro. Não era algarismo, era por extenso; tinha sido a nota mínima: um zero com todas as letras maiúsculas. Impossível explicar como aquilo foi ingerido, a dor parecia ser maior que o tamanho de seu espírito. Muito mais que o peso do mundo estava dentro dele.

Era o sentimento de ser inútil, de não ser capaz de nada. Demorou um pouco para compreender a dimensão daquilo, era a lenda mais dolorosa tornando-se realidade. Saiu rapidamente da sala rumo ao primeiro lugar que aparecesse pela frente. Depois de fazer uma leitura, com um pouco de sobriedade, desabou a chorar, produzindo um barulho que chegava aos corredores. Não, não se assemelhava a um fracasso qualquer. Nem nos piores pesadelos aquilo existia; as emoções dele se disseminavam em um amálgama entristecedor. O sofrimento, a tristeza e o choque o consumiam.

O choro durou pouco mais de meia hora, congelando sua alma por vários dias. Tentou pelo menos esboçar o que aquele momento representou, porém não conseguiu. As palavras não eram suficientes. Um dia, ele pensou que existiam palavras certas para expressar emoções; mas viu que, para certas situações os verbetes ficam vazios.

O episódio fez sua mente movimentar-se como nunca. Achou que estava correto, mas não. Via uma tempestade, mas não passava de uma simples chuva. Enxergava glórias, mas frustração foi tudo o que conheceu. Nem sequer se lembrava dos tipos de coisas que tinha feito; seu corpo funcionava, mas seu espírito já tinha morrido. Naquele momento, ele possuía muito mais perguntas do que respostas. Por fim, constatou que qualquer manifestação do invisível deveria sugerir alguma coisa, mas não tentou transcrever o que sentia.

Não era coerente aplicar o mantra "já passou" à situação, nem cabia a ele comparar o evento com outro acontecimento. Percebeu que nunca algo visto de longe podia ser entendido completamente. Quando algo está distante, falta perspectiva, profundidade, e sobretudo capacidade emocional para avaliar. O que se tem são nuances sem força para contar histórias.


Zeca Lemos





terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Glórias da mente




Chegara ao fim de mais um dia de viagem profissional. Desembarcava em Gotemburgo a trabalho; havia demorado uns vinte minutos para chegar ao hotel. O dia sem dúvida não tinha sido dos melhores, voo turbulento, confusões no embarque e divergências com alguns companheiros foram alguns dos acontecimentos que marcaram as últimas horas.

Perto de pisar no quarto, encontrou no elevador uma menina possivelmente nórdica. Aparentava ter entre 25 e 30 anos. Fitara os olhos por alguns segundos nele, com uma expressão enigmática e um pouco doentia. Não era um sorriso, e estava longe de ser uma expressão de hostilidade. Estava mais próximo de algo que traduzia um tipo de vergonha, de pesar de alguém dilacerado por um cotidiano monocromático. Era como um rugido preso no fundo da alma de um leão faminto por algum alimento novo. Durou alguns instantes, mas equivaleu a vários dias, tamanha a identificação.

Depois de organizar seus pertences nos aposentos do quarto e se acomodar, ligou o rádio por alguns minutos. Nada de novo: as últimas do esporte local, crime e religião, aquilo que estava acostumado a ouvir em qualquer táxi por aí.

Por volta da meia-noite, foi dormir sentindo uma ponta de curiosidade pela jovem que encontrara mais cedo, aquele enigmatismo inconfundível. Em meio ao sofrimento e todo o mal-estar de seus incômodos, aquele mistério fez brotar certo equilíbrio na sua cabeça. Imaginava tantas coisas a partir daí, para não ver o que estava acontecendo lá fora. Mal ele sabia o que seu cérebro estava preparando para o sono.

Nunca tinha tido um sonho tão absurdo e tão real ao mesmo tempo! No inconsciente, tinha ido a uma festa casual em uma casa modesta. Tudo tinha ocorrido como previsto, garotos embriagando-se mais do que o normal, meninas sem sapatos dançando até o raiar o sol, nada de interessante para ele. O fascinante começou voltando para casa por volta das três da manhã. Em sua sala central, a moça nórdica o esperava com uma taça de vinho. Estava visivelmente solta, mas isso lhe dava um ar sensual.

Sufocado pelo receio de estar sendo inconveniente, tentou conversar, mas o limitaram-se a olhares recíprocos. Qual a necessidade de deixar claro o que estava acontecendo? Esse mundo criado pela mente era de beleza inigualável, e ele nunca iria viver nada próximo daquilo.

Não é porque esse sonho já tivesse estado tão próximo a uma realização que poderia considerá-lo concreto. E a existência dessa história também não prova que o protagonista saiu vivo dela. Acordou disso quase de manhã, com o sol se preparando para nascer. Sentou-se na cama por alguns minutos. De início, riu bastante do que havia acontecido, mas não deixou de chorar um pouco por não ter tido o desfecho desejado.

Foi até a varanda do hotel observar a luminosidade da noite se desconfigurando. Afinal, a glória do ser humano não é apenas sonhar, mas viver também, sempre sem esquecer que o que universo oferece nunca vai chegar perto do esplendor que o cérebro cria e guarda.

Zeca Lemos