quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Ela era o caos


Veja-a. Tenta apagar da mente o que viveu. Não enxerga o quão expressivas são suas lembranças. Escuta muito o que é dito e se impressiona com os sons das sílabas proferidas por alguém que propaga algum pensamento negativo. Observa bem, por sentir tanta coisa estar viva e ver tantos momentos serem mortos.
Importa-se muito com o que a chama a atenção por perto e nunca se cansa de se emocionar. Acredita que quaisquer sentimentos não se fecham, apenas congelam. Sua concepção indica que tudo o que respira é recriado diariamente, reformando uma atmosfera que beira um mundo absurdo. Involuntariamente, procura encontrar abrigo e segurança nas pessoas que parecem possuir algo inovador.
Dedica-se ao que realmente importa e nunca se esquece de certos instantes. Para ela, alguns sofrimentos são como doenças terminais. Fica remoendo passagens, como se isso fosse fazer tão bem quanto um grito para o universo, transformando-se numa aberração que parasita as almas. As fronteiras para a existência da expressividade parecem infinitas, o ar a sufoca como se fosse comprimir seu corpo.

Compõe canções na parte mais pura de sua mente, mas procura esquecê-las por sentir que são uma traição ao que sua alma realmente abriga. Seu coração é sua maior virtude e sua maldição mais doentia. Ele palpita, explode, apodrece e renasce em pouco tempo.

Tudo leva a crer que não dá para compreender como funcionam as coisas no seu espírito. É necessário parecer irracional aos outros, porque eles também não entendem a origem de certos pensamentos insanos que povoam seus críticos momentos de loucura. Assim se fazem as coisas, só andam de forma libertina e anarquista, fugindo de qualquer perspectiva coerente ou inteligível. Ela era o caos e sempre seria.

Zeca Lemos


domingo, 11 de outubro de 2015

Epifania



Vejo uma beleza infinita. Não sei se acredito que existe ou se a encaro como um futuro percalço. Meu sentimento não para, mas também não tem apoio para se sustentar. A sonoridade produzida pelo baixo da música que toca no momento mexe de alguma forma com meu corpo. A luz é gigante, porém não a enxergo em expansão. Deve ser o que chamam de pintura; o pincel que minha mente representa pinta diversas variáveis sem nexo até chegar a um desenho que brilha.

Penso num conjunto de trechos de frases filosóficas escritas num guardanapo de bar. Sinto na pele o efeito do céu que vi há poucos dias. Nada me fazia mais sorridente do que contar cada estrela como o significado dos segundos importantes para mim. O poço não é tão fundo, e não vai demorar tanto para eu envelhecer. Recordo-me dos meses em que fui dormir, querendo ter paz na minha vida, rezando para que tudo se resolvesse. Na minha concepção, isso me deixaria alegre como uma criança mimada, supondo que chorar resolve tudo.

Quando retorno àquela noite atípica, gravo boa parte das reflexões. Alguns minutos são o bastante para as prioridades dos meus neurônios ficarem desorganizadas. Filme favorito, time do coração, mensagens repetidas, mesa cheia, álcool reverberando no ambiente. Tudo já foi visto e revisto muitas vezes, talvez nem seja preciso reeditar.

A única certeza é a de que não existirá outra oportunidade para escrever uma música ou falar sem saber até quando. Não sei mais o que devo chamar de erro, os conceitos ficam invertidos e a noção de chão e céu é relativa. Não há barulho expressivo ou qualquer alarde, mas meu coração grita, pedindo que a tradução do nada seja logo exposta.

Parece um jogo morno, chegando aos 47 minutos do segundo tempo. Aquela coisa sem sal, que dá a entender ser uma falsa impressão do incrível. A noite vai ficando perto de acabar e eu não consigo ver o que realmente estou sentindo. Sou um telhado de vidro vulnerável, que sobrevive a furacões e tempestades. Vejo-me puro como nunca e constato que não poderia ser mais feliz. Não existiria hora melhor para perceber que a vida não é um jogo de palavras cruzadas, as coisas não se encaixam. A escuridão em mim é plena por essa epifania ter chegado, sobrevoando todos os campos de destruição feitos pelo estrago que faço diariamente. Não há mais luz, invejo quem tem voz para gritar, e a lanterna queimada sangra e suga toda a razão que tenho para me preocupar com algo.

Zeca Lemos