terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Fiel companheira

Uma vez, em um monólogo, questionei-me o que minha vida representava n âmbito objetivo. Comecei pensando nas coisas que a maioria das pessoas entende como elementos da vida: relações amigáveis, familiares; oportunidades, experiências. Passei alguns dias mentalizando que era desse jeito e que eu levava um cotidiano de um homem comum; nada muito além daquela estruturação tediosa de ficar feliz em algumas horas e não saber para onde direcionar a alegria e ficar melancólico por semanas tendo meus pensamentos suicidas como minha válvula de escape do universo.

Alguns meses se passaram e eu tive alguns de meus pensamentos machucados. Percebi que estava cometendo autoengano nas minhas reflexões quando assisti a um filme e não consegui responder a pergunta que ele fez:o que é vida? Perguntei-me durante horas e senti, durante um dia inteiro, que a resposta estava dentro de mim, mas não no meu plano racional. Tentei me recordar de todas as conversas marcantes que já tinha tido e das aulas de filosofia que conseguiram me fazer refletir; até cheguei a alguns enxertos que pareciam ter utilidade, mas não encontrei o dizer que procurava.

No dia seguinte, acordei um pouco tonto. Havia esquecido da maior parte dos detalhes dos eventos que tinham acontecido nos últimos meses, mas o questionamento continuava a pairar sobre a minha mente. Depois de umas três horas, consegui levantar. Fui a cozinha e preparei um café básico para beber. Desde a minha infância, o hábito de beber café tinha sido visto como algo banal, mas ali pareceu prenúncio de uma coisa poética.

Bebi muito mais que o habitual; foram quatro ou cinco xícaras. Senti vontade de ir a um lugar que minha mãe tinha me levado ha uns 30 anos. Não entendi o porquê daquele meu desejo, mas minha intuição disse para realizá-lo sem pestanejar. Durante muito tempo, estive preocupado em estar preparado para viver as ocasiões, eram infinitas as conjecturas que eu fazia quando algum episódio começava a se desenhar.

Mas naquele momento, eu senti verdadeiramente o que era não se importar com o futuro. Nem por um segundo, pairou sobre o meu consciente o desejo de saber o que ia acontecer nos próximos segundos. Não lembro como foi, mas cheguei ao local que queria. Era um cinema antigo. Na hora que pisei na calçada que abrigava a placa com o nome do lugar, comecei a gemer e caí. Não tinha quase ninguém na rua, e as poucas pessoas que passaram não deram atenção ao cenário.

Tudo que já tinha acontecido na minha vida se proliferou. As músicas dançadas na adolescência, as histórias contadas por amigos, a linguagem das pessoas que eu sorria apenas por ver... Tudo se fundiu como se minha mente fosse o lugar mais rico do mundo. Chorei como da última vez que tinha visto um sonho meu ser arrancado de mim. Parecia impossível sair daquela situação, era a maior balbúrdia que minha nuca já tinha vivido.

Eram 6 da tarde quando o céu começou a ficar escuro. A dor teimava em não terminar e eu queria muito mudar o quadro. Gemi e até cheguei a uivar; tudo na tentativa de escapar do demônio que estava conhecendo. Quando consegui movimentar meu corpo, as estrelas apareceram e meus pensamentos clarearam. Finalmente eu podia ler o que refletia mais uma vez. Quando estava a um passo de desistir, a resposta chegou. Não foi como eu esperava, mas teve complexidade para me encher os olhos. 

Eu estava bastante errado quando quis colocar minha vida como uma coisa fácil de conceituar. Ela não correspondia aos elementos que faziam o cotidiano, mas ao significado que eu dava a eles. Eu poderia ser completo em cada segundo se tivesse força e sensibilidade para transformar as pessoas e os lugares em manifestações artísticas. Meu parque de depressões poderia ser eterno enquanto eu conseguisse ver música, escrita e cinema nos fatos. E ali eu descobri que nunca tinha estado sozinho e que minha alma seria a companheira dos meus sonhos até depois que minhas pequenas eternidades acabassem.

Zeca Lemos