terça-feira, 1 de setembro de 2015

Impossível repetir




Naquele dia, eu não queria que lembrança alguma tomasse conta da minha mente. Recordar algo para mim era bastante complexo. Tudo começava com alguma representação de um momento passado no presente, que me fazia tornar-me muito mais angustiado do que tinha sido na hora.

Exclusivamente naquele momento, o mau-humor me dominava. Com isso, procurei manter-me distante de coisas que pudessem fazer minha cabeça entrar em colapso, porém não houve jeito. Lembrei-me de um ano que tinha sido muito importante para mim, talvez o que mais influiu no meu comportamento a respeito do esporte e da família.

Foi o ano em que passei a refletir a todo instante no esporte mais popular do meu país, o futebol. Era ano de Copa do Mundo, e só se falava sobre esse assunto. Eu tinha por volta de sete anos e nunca tinha visto uma partida ao vivo, mas minha curiosidade pela prática futebolística era grande.

Meu pai me levou para assistir a um jogo do campeonato num telão que ficava num cinema do centro da cidade; nem recordo direito como era lá, mas nunca me esqueci desse dia. Foram jogos em salas lotadas, com uma variedade incrível de pessoas. Com sete anos, meus olhos brilhavam por ver como o mundo era fora das brincadeiras que eu fazia em casa.

O mais estranho é que no momento esse fascínio não tomou forma; somente quando as partidas acabavam  é que eu me dava conta do quanto me encantavam. Lembro que chorei muito por que não pude ir ao último confronto da fase de grupos, quando a partida seria contra o Japão, minha seleção preferida.

Alguns anos depois, eu só pensava na Copa, as competições iam acontecendo e nada preenchia a minha alegria de lembrar-me de um jogo em sala cheia com meu pai. Foi a primeira vez na minha vida que eu tive noção do que significava eterno. Nunca um momento me havia trazido  a ideia de que poderia existir algo de belo no mundo, jamais aquela gravação iria ser apagada da minha memória.

Passaram-se quatro anos antes de outra Copa, nova oportunidade para reviver tudo, como se fosse ainda mais especial. Falei com meu pai sobre a possibilidade de repetir o programa, e meu coração se encheu de alegria quando eu soube que seria possível ter o que eu tanto sonhei. Ligamos para o cinema e descobrimos que ele tinha sido fechado. Mais uma vez, minha alma canalizava mais energias que suportava, mas agora era só melancolia, Nunca tinha experimentado tanta frustração.

Muitos anos depois, descobri que o tal cinema tinha sido reaberto. Veio-me um sentimento que misturava dor e esperança. Acho que é o que se sente quando se pensa que algo marcante pode voltar. Eu poderia voltar lá milhares de vezes e tentar viver outras situações, mas nada se compararia a um jogo da Copa do Mundo com o meu pai; aquela magia pertencia apenas à criança que fui, e eu não podia reavê-la de forma alguma. Eu ficava profundamente melancólico de lembrar que o tempo com meu pai tinha acabado, mas olhava paro o céu e agradecia por um dia ter vivido isso.

Zeca Lemos