sábado, 10 de outubro de 2015

Para aqueles que odeiam seu próprio aniversário



Aniversário. Sim, estou falando daquela data que muitas pessoas têm como referência para fazer uma comemoração anual. Um dia que tende a ser relacionado com alegria por causa do que deve acontecer. É até um pouco esquisito ser tão feliz, quando o cotidiano é visto como triste, pois na verdade o aniversário não passa da celebração de alguns anos de continuidade do dia a dia.

Seja como for, no meio da overdose de sorrisos que esse dia suscita, existe aquele indivíduo que não tem a ocasião como motivo para fingir que sua vida é feliz. Para ele, viver esse dia é uma tarefa árdua. Tudo passa por sua mente. Já pensou se só por um dia pudesse enxergar tudo positivamente? Como seria a vida, se pudesse olhar para o que quisesse, quando bem entendesse? E se fosse capaz de eternizar coisas bonitas para não esquecê-las?

Dá uma vontade de poder responder tudo de maneira clara, de sonhar bem alto, como se tudo dependesse só da vontade. O coração se comprime ao ver que nada disso é possível e que todas as metas, enquanto almejadas, são utópicas. Tudo consiste em diferenciar as coisas em dois grupos; as que foram apenas imagináveis e as reais. Tão simples de compreender, mas assim nada entristeceria mais o coração.

Há quem, no dia do próprio aniversário, só queira estar longe. Ficar distante do que aspiraria uma falsa felicidade por um dia difícil, que se desejava com ardor. Fingir ser alegre agrade mais que ter o sangue jorrado. Há, de fato, quem odeie seu aniversário, suas escolhas e sua personalidade; quem odeie existir e não consiga sentir-se satisfeito com nada. Para que comemorar a data, se seu nascimento é considerado uma tragédia?

A pior dor que se pode ter é não entender o que festejar e, nesse caso, inventar de nada adianta. Não há como trair os pensamentos. O dia termina com uma súbita vontade de morrer, mas também vem uma fagulha de esperança que aquilo poderia ser efêmero. A passagem do dia serve para o sonho da noite vir desenhado num rigor algébrico exato e belo. Quem não se realiza vira um sonhador que vive tudo o que o mundo não permite, dedicando-se a escrever textos,

Zeca Lemos



terça-feira, 6 de outubro de 2015

Era ela




Encontrava-se estável. Nem muito feliz nem melancólico, naquelas raras oportunidades em que o corpo parece querer ficar estável. A rigor, isso tende a ser uma coisa boa, mas nesse dia não foi. Estava recebendo a mensagem de uma amiga, companheira de anos, que,  desde o dia em que entrara no coração dele, fizera-o seu parasita.

Ele começou a ler e seus olhos lacrimejaram. À medida que ia chegando ao final do texto, seu coração se acelerava mais. Não importava quantas vezes ele fosse dar atenção àquelas palavras, continuaria a se sentir infiel consigo, por não conseguir expressar algo diante do ocorrido.

Lembrou-se de todas as vezes em que se trancou num quarto minúsculo, com medo de um repetido pesadelo. Aquele temor de amar alguém que não corresponde, a agonia do sentimento unilateral. Recordou-se das oportunidades em que viu sua casca rompe, formando estruturas que o deixavam refletindo vários dias.

Registrou algumas observações no bloco de notas que costumava redigir sobre os jornais que analisava. Não tinha compromisso algum com a verdade, mas com a representatividade. Daria tudo para ler algo que traduzisse o que a mensagem tinha provocado no seu deserto que tinha virado paraíso. Era como olhar para uma fotografia, o traço fascinava, mas nunca ia chegar perto da riqueza de uma análise escrita.

Viu que estava verdadeiramente feliz, quando constatou que não podia apagar o que estava sendo escrito no coração. Não era descartável, Mais uma vez sua mente percebeu que era ela a pessoa amada. Era ela com quem ele queria dividir todos os fracassos que cometeria. Era dela que ele se lembrava toda vez que se falava sobre felicidade. Seria ela a pessoa que ele queria conhecer independente de qualquer circunstância. Ela! Mais ninguém.

Minutos depois, foi a uma estação pegar um trem. Entrou, sentou-se e ficou lendo a mensagem repetidas vezes, como se a estivesse lapidando, para ficar guardada em algum lugar especial. Quando estava perto de seu destino, seus olhos voltaram a lacrimejar discretamente. Era realmente difícil crer que tinha ficado muito feliz com algo. Segundos depois, choveu bastante e os vidros do vagão ficaram borrados. A chuva e as lágrimas se tornaram a mesma coisa. Era tudo tão poético, tão belo...Toda a alegria do mundo era água. Imediatamente, pensou em outra beleza aquosa que sintetizava exatamente a riqueza da menina, o mar. Ela era igual ao mar; profunda, bela, constante e por vezes tempestuosa.


Zeca lemos