quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Fenômeno noturno



Via-se numa época diferente. Era tempo de reviver o que já tinha sido gasto pelas pessoas e tentar lançar novos olhares ao que era visto como perigoso ou agressivo. Imaginar momentos de cinema não era o bastante, teria que vivenciar, escrever ou mesmo inventar novos rumos. Nada o deixava tão pleno quanto cultivar uma verve transgressora.

Caminhando pelas ruas durante o dia, ele filmava as cenas urbanas que se mostravam oportunas para serem documentadas. Sua câmera era sua principal parceira, sentia como se ela carregasse tudo o que ele precisava para ser feliz. Refletia que o que fazia a cidade sem graça eram as obrigações cotidianas dos cidadãos. Enxergava que, andando sem compromisso, as coisas de alguma forma se tornavam bonitas.

Pela noite, dedicava-se a analisar o comportamento dos boêmios nos bares movimentados. Era a parte mais interessante do dia, pois quando um homem esta sob efeito de álcool, mostra que sua essência não é feita apenas de informações memorizadas. Quando começava a ficar tarde, as mesas se enchiam de relatos cômicos, alguns até difíceis de acreditar, mas que pareciam ter uma veracidade assustadora. Era como se os fatos banais do dia a dia se transformassem em pautas para matérias de jornais, sendo evidências para futuras histórias.

Ele ficava emocionado ao ouvir alguns desabafos aprisionados por anos, era algo inacreditável. Mas o tempo parava quando ele chegava a casa. Costumava ir dormir quando estava perto de o céu clarear. Teria cerca de uma hora de sono; algo em seu quarto não permitia que fosse além. Escutava barulhos estranhos e desconhecidos. Não havia chance de serem sons da rua nem possibilidade de se tratar de uma interferência elétrica. Era uma sonoridade absurdamente abstrata.

Não parecia haver vida humana naquele fenômeno noturno. Deixava sua câmera filmando o quarto durante o período, mas os registros  visuais não apareciam, só se ouvia barulho. Essa situação o perturbava muito, pois era a única que ele não conseguia concretizar para produzir. E ficava impotente como um mudo querendo expressar-se por meio de sons. Era um caso insano; só mesmo o gosto seu pela arte poderia fazer sua conexão com o mundo real, de imagens e palavras compreensíveis.

Zeca Lemos




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