domingo, 10 de janeiro de 2016

Bilhete molhado


Desde que comecei a pensar sobre sentimentos, um dos desafios da minha vida foi aprender a lidar com os momentos em que eu percebesse minha alma sendo mudada. Quando a surpresa e o medo vêm de maneira forte, a mente costuma tornar-se um labirinto, como se eu nunca a tivesse visitado. Quase como o céu, meu pensamento passa a abrigar infinitos caminhos.

Naquele fim de semana, eu faria uma atividade nova na minha rotina: passaria dois dias num seminário religioso. Foi uma oportunidade interessante pra mim, pois gosto de experimentar coisas que não estão presentes no meu cotidiano. Como seria em qualquer local, agi da minha maneira: autêntico e comunicativo, sentindo medo de que meu jeito fosse antiquado.

No final, eu teria alguns bilhetes para ler. Estava sem expectativa, pois achei que os acontecimentos ocorridos teriam sido o bastante para o fim de semana ter alegrado meu coração. Peguei os papéis e vi que não eram muitos. Comecei a ler, e as coisas foram ficando dentro do que eu esperava; nada mais do que alguns textos de carinho de alguns amigos.

Li todos os bilhetes e notei que a oportunidade estava concluída. Quando já estava indo embora, um papel verde caiu do meu bolso. Era uma mensagem que eu não tinha lido. Ainda sem animação, li o escrito. Era de uma menina que não me conhecia, agradecendo por eu ter mostrado meu jeito de ser em momentos do seminário. Ela dizia que minha felicidade a tinha contagiado.

Não consegui ficar impassível diante do simbolismo da situação e me afoguei em lágrimas. Cheguei a casa e ainda não tinha conseguido parar o choro. Quando deu para pensar um pouco, constatei que aquilo não era uma situação cotidiana, era uma cena de filme, relembrando aquelas passagens inesquecíveis do cinema mudo.

Como fiquei feliz ao saber que alguém desconhecido teria gostado da minha essência. Se eu estava procurando alguma coisa que me trouxesse um misto de felicidade e medo, tinha acabado de encontrar. Olhei para a noite estrelada e gritei silenciosamente que eu tinha algo de bom a mostrar e que poderia fazer as pessoas ao meu redor se sentirem felizes.

A alegria era imensa, mas o medo e a agonia também faziam morada em meu coração. Constatei que aquela seria mais uma das pequenas eternidades petrificadas na parede das minhas lembranças. Apesar de ter-se identificado na mensagem, ia ser muito difícil conhecê-la. Olhei-me no espelho do meu banheiro e notei que meu olhar carregava o infinito. Se fosse capaz de entrar, provavelmente jamais sairia. Independente do que fosse acontecer amanhã, naquele momento eu era a pessoa mais feliz do mundo.

Zeca Lemos


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