quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Xícara de café



Ele se encontrava com ela todos os dias para conversar. O local costumava ser a casa dela. O encontro acontecia um pouco depois do horário do almoço. Ambos acordavam bem cedo e buscavam resolver todas as pendências pela manhã. A tarde sempre estaria reservada ao diálogo.

Tinham sido colegas de trabalho numa emissora de televisão durante quase vinte anos. Ele era locutor esportivo e ela, repórter do noticiário matinal. Apesar disso, em todo esse tempo, eles se falaram no máximo cinco vezes. Só foram criar laços depois de aposentados. Eram vizinhos, mas demoraram a se dar conta disso.

A relação começou, quando ele decidiu fazer uma pesquisa de algo acontecido há três anos no bairro. Passou alguns dias averiguando pastas, provas e documentos, e descobriu que o lugar do evento tinha sido a casa dela. Ele tocou a campainha e ela atendeu; mostrou-se surpresa com a visita, mas foi simpática e o chamou para entrar.

Conversaram sobre o caso que ele tentava elucidar e os encontros se tornaram habituais. Com o tempo, o tema das conversas se multiplicou e fugiu do assunto inicial. Algumas vezes, debatiam sobre pautas polêmicas; outras, preferiam contar situações cotidianas singelas que tinham ocorrido com alguém que conheciam. Mas o que mais os deixava inquietos era o café, sempre trazido por um sobrinho dela. Era um costume: assim que ele chegava, ela já ia buscar duas xícaras de café para iniciar a conversa.

Se faltava café na casa, eles só faltavam enlouquecer, como se fosse impossível trocar palavras sem algo quente para beber. Para eles, o café era como um tranquilizante; com ele, tudo ficaria bem e seria possível dialogar sobre qualquer assunto. Então, sem o elemento que trazia a calma, ambos se descontrolavam. Ele começava a perguntar detalhes íntimos da vida dela, e ela se enfurecia e o expulsava de casa. Entretanto, ele sempre retornava no dia seguinte. Se houvesse café, a tarde seria memorável; se não houvesse, seria um pesadelo. Diante de tudo isso, nenhum pensava que era muito simples resolver a situação: bastava ir a algum supermercado.

Zeca Lemos


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