terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Interior



Eu tinha viajado para um local desconhecido, a fim de participar de uma reunião de trabalho numa universidade. Na verdade, era um lugar tão pequeno que podia ser chamado de distrito. Parecia que tinha crescido recentemente e que fazia pouco tempo que tinha deixado de ser vila. Eu teria um dia para conhecê-lo e um para realizar o compromisso.

Havia chegado há pouco tempo e estava cansado. Pensei em dormir um pouco, mas minha curiosidade pelo novo me fez dar uma volta nos arredores de onde eu estava hospedado. Para alguém que estava acostumado com o barulho do trânsito na metrópole, caminhar pelas ruas sem ver quase nenhum carro era muito estranho. A localização do hotel era bem central, situava-se no típico bairro que possui os elementos essenciais de cidade pequena: uma praça, uma igreja-matriz, algumas lojas, um cinema e uma sorveteria. Diferente da capital, tudo muito perto.

Fui à igreja e tirei algumas fotos. Era tudo muito singelo. As calçadas estavam sujas e não havia quase ninguém nelas. Caminhei até a sorveteria e percebi que estava vazia. Estranhei a falta de pessoas e perguntei a um funcionário o que estava acontecendo. Ele fez uma expressão triste e disse que boa parte das pessoas não gostava de sair de casa e que os estabelecimentos comerciais não durariam mais muito tempo abertos.

Seus olhos estavam vazios como noites sem estrelas. Perguntei se ele queria conversar; ele se mostrou desanimado, mas aceitou meu convite. Para não ficar um clima estranho, pedi um sorvete, e ele começou a falar sobre como eram as coisas por lá. Senti que ele realmente estava precisando de alguém para escutá-lo.

Dissertou sobre a cidade e sua vida por aproximadamente uma hora. Apesar de não demonstrar muitos sentimentos, senti que ele estava aceitando bem aquela oportunidade de desabafar. Ele falava coisas absurdas, sem nenhuma alteração de humor. Preferi manter-me calado, na verdade era uma situação em que a pessoa só quer ser ouvida.

Quando terminou de falar, chamei-o para assistir a um filme. Ele estranhou um pouco minha atitude, mas concordou. Só havia um filme em cartaz: uma comédia. Quando a tela se encheu de cores, os olhos dele se encharcaram. Perguntei o motivo da emoção e ele apenas disse que nunca tinha ido ao cinema antes.

Fiquei perplexo, mas deixei-o chorar à vontade. O filme terminou e ele me abraçou. Disse-me algumas coisas com a voz embargada, que eu não entendi. No dia seguinte, quando estava voltando para a capital, encontrei um bilhete no meu carro. Tinha sido escrito por ele. Era uma letra feia e uma prosa mal redigida, mas era uma demonstração sincera de carinho, que eu não poderia jamais rasgar.

Zeca Lemos

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