domingo, 17 de janeiro de 2016

Desconheço



Eu estava em casa quando ela apareceu. Meu pai disse que era uma carioca que teria chegado há pouco tempo na cidade e precisava de um lugar para ficar. Como morava sozinho, acatei o pedido dele. Pensei que seria uma experiência interessante morar com alguém desconhecido.

Foi uma oportunidade até então única na minha vida, porém não da maneira que eu esperava que fosse. Ela não falava muito, se bem que não fechasse a boca um segundo, quando eu lhe pedia alguma opinião; não era bonita nem feia; não possuía nenhum charme especial, mas também não deixava de impressionar. Muitas vezes, eu sentia que existiam correntes que a prendiam de alguma forma, mas também admitia que ela controlava sua prisão interior.

Era uma convivência estranha. Eu pensava a respeito dela durante horas, quando caminhava pelas calçadas perto da praia e jamais chegava a uma conclusão. Já tinha convivido com muitas pessoas nos mais variados ambientes, mas o jeito dela era diferente. Como lidar com algo sobre o que não se pode nem proferir uma afirmação, sem a certeza de ser verdadeiro?

Ela não saía muito de casa; e sempre que saía, não me falava para onde ia. Quando eu perguntava qual seria seu destino, ela apenas ria e falava que ia "naquele lugar". No final, ela ficava sem falar. E isso a tornava a pessoa mais fascinante que eu já tinha visto. Não importava o quanto eu pensasse, seria sempre uma incógnita. Na minha própria casa, eu pisava no terreno mais desconhecido. Nem nos dias em que o céu ficava pesado, eu ficava tão angustiado.

Foram dois meses nesse estado, pensando que eu podia morrer por causa de uma confusão mental. No dia que ela foi embora, vi que eu não me conhecia por inteiro. Por um momento, fiquei aliviado por poder voltar a viver minha rotina. Mas, quando anoiteceu, senti que a saída dela tinha representado o fim de uma era. Uma era em que teria vivido cada segundo, aprendendo a estudar as coisas sem a imposição de que elas têm que ser entendidas. E o que eu tinha como fardo se tornou a melhor experiência vista pelos olhos de um ser humano. Eu me espantava com ela, porque era o meu reflexo. Eu era exatamente daquele jeito: indefinido, indeciso e desconhecido. Ninguém sabia o que eu guardava nas minhas profundezas, nem mesmo eu.

Zeca Lemos


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