segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Olhos inchados


Comecei essa trama com uma visão confusa. Sempre gostei de fazer as coisas se tornarem belas, fazendo meu olhar espelhar algo que fascine. Como num filme, as cenas não são mentalmente reproduzidas, mas analisadas e interpretadas.

Tudo iniciou quando voltei ao lugar em que tinha crescido, depois de passar alguns anos fora. Reencontrei alguns amigos numa avenida movimentada da cidade, estava bem frio para o clima a que estava adaptado, mas me senti bem. Passamos por ruas familiares e senti como se nunca estivesse estado ali. Era como se eu estivesse reescrevendo a minha história nos bares por meio de singularidades e alguns goles de cerveja. Recordava-me de alguns desejos antecipados naquela região, mas era algo muito vago.

Quando eu estava voltando para a casa dos meus pais, vi um rosto conhecido de longe. Parecia uma menina com quem estudei na faculdade. O pouco que eu dela recordava não era bom, mas senti que deveria iniciar alguma conversa. Atravessei a rua e fui caminhando até onde ela estava, numa livraria bem típica do bairro em que morava. Estava com algumas amigas, pareciam estar conversando sobre coisas pouco importantes.

Mostrava-se um tanto prepotente, mas com boa expressão no olhar. Acenei para ela a alguns metros de distância, ela pareceu não entender o que fiz, mas foi até mim. Vista de perto, era bem mais despojada, tinha um visual quase gótico. Perguntei se ela se lembrava de mim e como estava levando a vida nesses tempos. As respostas foram arrogantes. Entretanto, não parecia petulância, mas algum tipo de mágoa.

Acendeu um cigarro e começou a fumar na minha frente, Fazia isso de uma forma inacreditável, parecia que a fumaça vinha do corpo dela. Fiquei bastante incomodado com a situação e tentei retirar-me timidamente. Ela berrou e me puxou, ficou frenética e jogou seu bafo para cima de mim. Ela não parecia estar bem, então tentei ser compreensivo. Proferiu algumas frases vazias, que me chamaram a atenção. Levou-me para um canto isolado e começou a cantar uma música muito famosa na época. Era uma canção do Bob Dylan. A letra era bem extensa, mas ela priorizava apenas o refrão.

Não sei como, mas ela me levou a um bar nas proximidades e ficou embriagada. Caiu nos meus braços e fez alguns comentários sobre como minha barba era atraente. De fato, eu não estava entendendo nada, não tinha ideia do que ela pensava de mim naquele momento. Desmaiou e fiquei sem saber o que fazer. Não sabia onde ela morava, com quem vivia, nem mesmo seu nome. Levei-a para a casa dos meus pais por compaixão e esperei o que aconteceria ao amanhecer. Quando ela acordou, seus olhos estavam vermelhos, como se estivesse sob efeito de alguma droga. Foi uma cena de teatro: levantou da cama, derrubou-me e deu-me seguidos beijos até ir embora.

Nunca entendi o que tinha acontecido naquela noite, e acho que esse esclarecimento não é necessário. Aonde eu vou, vivo alguma loucura, e sempre me vem alguma ideia confusa, alguma coisa incompleta. Acredito que nunca irei cansar-me de colecionar esses acontecimentos para gritá-los quando a noite ficar tediosa.

Zeca Lemos



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