terça-feira, 24 de novembro de 2015

Decisões erradas


Quando criança, era bem comunicativo. Participou de todas as peças da sua escola. Até esboçava algum talento em atuar. Dizia que a arte o fascinava, porque podia camuflar-se em qualquer papel que interpretasse. Já tinha tentado cometer suicídio algumas vezes, mas sempre alegava que não passava de uma brincadeira um pouco exagerada. Às vezes, sofria repressões violentas em alguns lugares, mas nunca pareceu nada que o traumatizasse.

Passou por alguns transtornos, desde que tinha chegado à cidade. Inicialmente, pensava que era algum tipo de falta de atenção, talvez uma dificuldade de se concentrar naquilo que exigisse algum compromisso. Entretanto, esse não era o ponto, ele conseguia mostrar-se focado, mas apenas nos assuntos pelos quais tinha algum apreço. Mais tarde, constatou que era falta de autoestima, problema que nunca tinha tido antes.

Suas questões se agravaram e tudo ia ficando bem mais difícil. Tirá-lo de casa tinha virado uma tarefa quase impossível. Não sentia mais vontade de fazer quase nada, ir ao colégio se transformou numa tortura. Havia muitos boatos a respeito da situação dele. Muita gente comentava que ele estava daquele jeito por algum contato com drogas ou ingresso no mundo do crime, mas nada disso era verdade. Ele apenas tinha seus problemas e não queria divulgá-los para ninguém.

As poucas vezes que saía de casa, ia sempre para um parque perto de uma faculdade. Era um lugar  calmo, aonde as pessoas iam para exercer a liberdade que não teriam em nenhum outro lugar. Apesar de ser bastante acomodado com sua vida, possuía vontade de experimentar algo novo, pois sentia falta de uma inspiração para povoar seus pensamentos quando quisesse sonhar.

Começou a frequentar o refeitório de um abrigo nos arredores da região durante o horário do almoço. Era quase vazio, só iam alguns idosos que moravam perto. Todo dia, ele se oferecia para almoçar com algum deles e pedia que falassem a respeito de seus problemas. O resultado dessa experiência foi curioso. Em quase todas as conversas, os relatos terminavam em arrependimentos gerados por escolhas erradas e aparente vontade de chorar.

As reações o chamaram tanta atenção que ele anotou tudo num caderno. Ficou uns dias isolado do mundo e procurou fazer uma análise de cada resposta. Escreveu algumas páginas de observações e viu que boa parte das coisas mencionadas se encaixavam na sua realidade. Constatou que todo mundo passa por dias difíceis, vive momentos ruins e crises existencialistas. E que todas as escolhas têm uma margem de erro grande, que  a angústia causada por decisões erradas é irreversível quando se acumula ano após ano.

Zeca Lemos






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