segunda-feira, 20 de julho de 2015

Mediocridade


Venho tentando por muito tempo colocar esse enredo num plano linear, mas às vezes acho que alguns pensamentos não precisam sair da mente. É algo estranho, que me faz ficar boquiaberto, quando me aproximo das lembranças.

Não há tempo certo para isso chegar ao meu cérebro, mas creio que tudo seja resultante da atmosfera de determinados ambientes. Alguns raros, outros inverossímeis. Posso até incluir nessa conta alguns barulhos que escuto quando fico no escuro lá em casa e certos movimentos que meu corpo faz quando a situação fica agradável.

Ah, mas no final tanto faz, não é? Se o que não foi não é, então na realidade o que eu penso ser tudo não é nada. Eu vivo no nada, rastejo no vazio e vivo no inexistente. E isso é totalmente vazio. Da ilusão do nada que constitui o universo tudo é repugnante e eu faço parte disso.

Já escutei muito aquele discurso pronto de realização de sonhos, mas ninguém vê que realizar sonhos é ilusão. O que o físico realiza não é nada frente ao que a mente imagina. O que o cérebro projeta é infinitamente maior do que o que a matéria proporciona. A energia que eu aproveito em ações é quase nula diante do que os meus pesadelos liberam.

Creio que posso ser alguma aberração poética. Uma mistura de nojeira e poesia. O dia em que formalizei essa composição foi curioso. Estava caminhando pelo sugestivo centro de Lisboa quando anoitecia; e tudo estava quase vazio. Não via nenhum carro na pista. Estava tudo bem calmo, mas algo me dava a certeza de que uma coisa ia alterar-se.

O panorama mudou inteiramente quando um homem barbudo passou, fumando um cigarro velho, rindo como uma criança, mas a real apoteose me surpreendeu quando avistei uma menina perto da Torre de Belém. Ela aparentava uns três anos mais jovem que eu e tinha uma pele atraente. Minha percepção dela me levou a uma aproximação; tudo ia ficando mais difícil, porque ela também se movimentava. Era possível observar um semblante de tigre no rosto dela, e eu por algum motivo achava que já a conhecia há muitos séculos.

Eu nessa época falava muito, mas naquela hora achei que era o momento de escutar o silêncio. Queria bastante que ela fosse o anjo do meu pesadelo diário, mas decidi barrar essa eventual felicidade. Até hoje tenho agonia de lembrar e tentar reviver as cenas; mas isso envelhece meu interior como as folhas chegam ao chão no outono. O mais curioso é que esse ato de reconhecer que eu era medíocre fazia de mim um menino que fugia da mediocridade.

Zeca Lemos

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