quarta-feira, 22 de julho de 2015

História arquivada



Tento lembrar-me da sequência correta e do que tinha vindo contar, mas minha mente se mostra confusa. Há certas dificuldades de distinguir a ficção do real, se é que existe alguma diferença na prática. Tinha trabalhado alguns pensamentos insistentes, mas isso naquele momento pareceu um pouco fora de rota.

Recordo de me trancar por alguns minutos num quarto por ter medo que aquele pesadelo que eu tinha tido no dia anterior voltasse ao meu cérebro. Fiquei bastante nervoso e precisei de dezenas de lenços para limpar o suor da minha testa. Juro que pensei que contar essa história seria mais fácil e prazeroso, mas só deixou minha pressão desregulada.

Ódio era o vocábulo que traduzia meu interior naquele momento. Passei semanas esperando para narrar isso e estava quase indo ao chão, mas tirei energias de algum lugar e continuei falando. Foi uma noite bem movimentada numa cidade meio isolada da civilização. Não consigo recordar-me, porque estava lá naquele dia, nem como as coisas aconteceram daquela forma.

Parei num bar modesto, quase numa fronteira conturbada. Tomava um café forte e estava parcialmente entorpecido. Vi uma menina passar por perto com um cachorro e uma criança. Apesar de estar longe, escutei sua voz. Aquele timbre provocou algum sentimento em mim, mas preferi rir, fingindo que aquela impressão era paranoia minha.

Depois de alguns minutos, ela passou em frente à porta do bar e até pareceu que ia entrar. Olhou-me como se me conhecesse de algum lugar, mas eu sabia que aquilo era casualidade. Nada me atraía, mas o conjunto daquela obra dava um nó em mim, bem tosco, na verdade. Pedi a conta e fui para a rua procurá-la. Visualizei alguns prédios medievais e a vi entrando num museu; fui até lá e nossos olhares se entrelaçaram novamente; um cachorro latiu, como se algo absurdo estivesse acontecendo. As expressões não mentiam, meu rosto de fome só traduzia a necessidade que eu tinha de fazer algo.

Seguimos na visita do museu, cuja temática era de arte moderna. Em tempos que covardia e caretice tinham virado coisas comuns, sentir algo forte por alguém desconhecido era como nascer novamente. Até pensei em arriscar alguns segundos de coragem, mas teimei em pensar que tudo aconteceria naturalmente, e esse foi o maior erro da minha vida. Quando ela foi embora, comprei algumas cervejas e as levei para casa, pensando que isso ia resolver.

Não era preciso ser um grande analista para concluir que eu precisava de bastante ajuda naquele instante. Quando cheguei a casa, comecei a escutar uma música antiga que soava tranquilamente. O início produzia um som de bateria, mas eu confundi como uma pílula viciante que eu tomava; depois, não me lembro o que aconteceu. Assim como boa parte das invenções da minha vida, essa história ficou arquivada incompleta no meu consciente.

Zeca Lemos



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