segunda-feira, 23 de março de 2015

Não, eu não quero recordar



Difícil não é lutar pelo que se almeja, mas aceitar o adiamento de sonhos tão desejados. Tantas pessoas aparecem na nossa vida com um propósito, bom ou ruim, direto ou transversal, mas todas terminam indo embora fora do tempo que a gente estima que elas irão.

Porque ninguém escolhe a ordem dos fatores nem o produto da multiplicação, só convive com  o resultado depois dele feito. Já escutei o que falam os artistas, mas nada se encaixa perfeitamente na minha visão, pois os momentos me esgueiram em memórias do dia em que eu fui uma criança, tempo em qualquer queda era motivo para risos e que todo sonho frustrado era sinônimo de dor efêmera.

Todos esses períodos de choro são recordações fieis do que um dia já quis para mim, papéis na vida que eu achei que podia interpretar. Hoje o sofrimento não se dá mais nesse ciclo. Traumáticos são os momentos que sei que nunca vou conseguir esquecer.

Não há desabafos que coloquem para fora os demônios de fracassos que carrego lá no fundo da cidade poluída que a minha mente constituí. Não, não quero lembrar-me dos dias em que chorei, porque o meu time levou gols nos acréscimos do jogo, adiando em anos o que uma nação tanto esperava. Eu não quero recordar-me do exato momento em que tive o coração despedaçado por pessoas tão diferentes. Eu não quero ver novamente meu pai chorando, sem eu poder confortar sua dor. Eu não quero ouvir pessoas dizendo que o meu amor por ela nunca existiu. Eu não quero esquecer da voz dos indivíduos que amo. Eu não quero pensar que não existe uma saída para tudo isso.

Eu não queria pensar que não posso agendar a solução disso, que ela vem via sedex, sem prazo determinado de entrega. Nós esperamos tanto que isso acabe, que paramos de sonhar e nos tornamos conservadores, mantendo as mesmas ideias simplistas de tantos que vivem sem aspirações. A bebida não deixa de ser uma solução, mas é paliativa, pois só retarda a visão realista que temos da bagunça que chamam de humanidade.

Derramar lágrimas e sangue de nada adianta. O importante mesmo seria uma reforma espiritual. Essa mudança que pensamos que sempre está na porta, que sempre vem no próximo capítulo, nunca chega. Passamos o tempo inteiro no conforto que o melhor ainda não chegou e que ainda vem, que um dia seremos livres e que toda essa sistemática vai mudar, mas nada se modifica.

Vivo na era da ansiedade, sempre pensando que essa lágrima que eu derramei hoje amanhã será ressarcida com um sorriso, mas não vejo que esse próprio momento de choro foi a glória, e que só de poder viver intensamente já sou glorioso, sendo infeliz além da conta, só por insistir em pensar ser dono do que nunca me pertenceu.


Zeca Lemos

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