sábado, 20 de dezembro de 2014

Fortaleza barulhenta



Aquele era um dia decisivo, não tinha dormido bem na noite passada nem estava tranquilo. Era como uma oportunidade que definisse uma vida inteira. A situação não durou muito tempo, pouco mais de uma hora, segundo ele. Era um clima assustador para todos, mas ele sentia a atmosfera de maneira diferente.

Após a situação ter um desfecho, saiu discretamente. Por fora parecia estar bem quieto, mas tinha um barulho dentro dele. Não falou com muitas pessoas e logo procurou isolar-se de todos. Tornou a sentar-se e começou a chorar ininterruptamente. Já tinha feito isso em outras oportunidades, mas nenhuma similar àquela forma.

Suas mãos, grandes parceiras em momentos de felicidade e tristeza, vibrando por deparar com o intransponível virando realidade ou presentes no rosto, escondendo feridas de um coração devastado, mas ainda pulsando, passavam a exercer outra função: abrigo para receber lágrimas de sangue e água. Não existia equação que pudesse transcender o que estava acontecendo.

Essas lágrimas não representavam alegria nem melancolia, mas simplesmente emoções. Era impossível não chorar diante de tudo o que havia acontecido. Tantos momentos, traumas e superações que havia tido estavam passando diante da sua alma em alguns segundos. Era seu apogeu e seu declínio.

Sua mente não era mais apenas um instrumento que lhe fazia raciocinar, ia muito além disso. Faltavam-lhe palavras para formalizar o que ela representava. Talvez fosse um templo, uma cidade ou mesmo uma fortaleza estruturalmente complexa e desconfigurada.

Era como uma abelha fora de sua colmeia ou uma bactéria totalmente alheia à sua colônia. Por alguns instantes perdera a noção do que representava.

A cidade estava devastada, sem indício de destruição. Alguma força tinha interferido ali indescritivelmente. Não tinha havido construção nem destruição, só fortes modificações.

Era incrível um lugar tão escuro aparentar ser portal para um caminho de tanta luz. Sentimentos duais que chegavam a ser contraditórios. Era muito vivido e estava acostumado a novidades, sem que nada experimentado tivesse a dimensão que permitisse uma comparação.

Aquele momento poderia ser interpretado como um simples desabafo, mas estava longe disso; eram todas as sensações que já havia sentido, condensadas em alguns minutos. Pouco tempo, mas infinita intensidade.

Muitos indivíduos morrem sem essa experiência, e pode até parecer que isso seja bom, pois dá segurança. Entretanto, não existe glória maior do que ter sensibilidade para sentir na pele aquilo que só você pode entender, mas nunca descrever satisfatoriamente. Afinal, uma vida que não é sentida não merece ser vivida, pois viver sem sentir é como estar vivo fisicamente, estando morto espiritualmente.


Zeca Lemos





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