terça-feira, 6 de outubro de 2015

Era ela




Encontrava-se estável. Nem muito feliz nem melancólico, naquelas raras oportunidades em que o corpo parece querer ficar estável. A rigor, isso tende a ser uma coisa boa, mas nesse dia não foi. Estava recebendo a mensagem de uma amiga, companheira de anos, que,  desde o dia em que entrara no coração dele, fizera-o seu parasita.

Ele começou a ler e seus olhos lacrimejaram. À medida que ia chegando ao final do texto, seu coração se acelerava mais. Não importava quantas vezes ele fosse dar atenção àquelas palavras, continuaria a se sentir infiel consigo, por não conseguir expressar algo diante do ocorrido.

Lembrou-se de todas as vezes em que se trancou num quarto minúsculo, com medo de um repetido pesadelo. Aquele temor de amar alguém que não corresponde, a agonia do sentimento unilateral. Recordou-se das oportunidades em que viu sua casca rompe, formando estruturas que o deixavam refletindo vários dias.

Registrou algumas observações no bloco de notas que costumava redigir sobre os jornais que analisava. Não tinha compromisso algum com a verdade, mas com a representatividade. Daria tudo para ler algo que traduzisse o que a mensagem tinha provocado no seu deserto que tinha virado paraíso. Era como olhar para uma fotografia, o traço fascinava, mas nunca ia chegar perto da riqueza de uma análise escrita.

Viu que estava verdadeiramente feliz, quando constatou que não podia apagar o que estava sendo escrito no coração. Não era descartável, Mais uma vez sua mente percebeu que era ela a pessoa amada. Era ela com quem ele queria dividir todos os fracassos que cometeria. Era dela que ele se lembrava toda vez que se falava sobre felicidade. Seria ela a pessoa que ele queria conhecer independente de qualquer circunstância. Ela! Mais ninguém.

Minutos depois, foi a uma estação pegar um trem. Entrou, sentou-se e ficou lendo a mensagem repetidas vezes, como se a estivesse lapidando, para ficar guardada em algum lugar especial. Quando estava perto de seu destino, seus olhos voltaram a lacrimejar discretamente. Era realmente difícil crer que tinha ficado muito feliz com algo. Segundos depois, choveu bastante e os vidros do vagão ficaram borrados. A chuva e as lágrimas se tornaram a mesma coisa. Era tudo tão poético, tão belo...Toda a alegria do mundo era água. Imediatamente, pensou em outra beleza aquosa que sintetizava exatamente a riqueza da menina, o mar. Ela era igual ao mar; profunda, bela, constante e por vezes tempestuosa.


Zeca lemos




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