terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Glórias da mente




Chegara ao fim de mais um dia de viagem profissional. Desembarcava em Gotemburgo a trabalho; havia demorado uns vinte minutos para chegar ao hotel. O dia sem dúvida não tinha sido dos melhores, voo turbulento, confusões no embarque e divergências com alguns companheiros foram alguns dos acontecimentos que marcaram as últimas horas.

Perto de pisar no quarto, encontrou no elevador uma menina possivelmente nórdica. Aparentava ter entre 25 e 30 anos. Fitara os olhos por alguns segundos nele, com uma expressão enigmática e um pouco doentia. Não era um sorriso, e estava longe de ser uma expressão de hostilidade. Estava mais próximo de algo que traduzia um tipo de vergonha, de pesar de alguém dilacerado por um cotidiano monocromático. Era como um rugido preso no fundo da alma de um leão faminto por algum alimento novo. Durou alguns instantes, mas equivaleu a vários dias, tamanha a identificação.

Depois de organizar seus pertences nos aposentos do quarto e se acomodar, ligou o rádio por alguns minutos. Nada de novo: as últimas do esporte local, crime e religião, aquilo que estava acostumado a ouvir em qualquer táxi por aí.

Por volta da meia-noite, foi dormir sentindo uma ponta de curiosidade pela jovem que encontrara mais cedo, aquele enigmatismo inconfundível. Em meio ao sofrimento e todo o mal-estar de seus incômodos, aquele mistério fez brotar certo equilíbrio na sua cabeça. Imaginava tantas coisas a partir daí, para não ver o que estava acontecendo lá fora. Mal ele sabia o que seu cérebro estava preparando para o sono.

Nunca tinha tido um sonho tão absurdo e tão real ao mesmo tempo! No inconsciente, tinha ido a uma festa casual em uma casa modesta. Tudo tinha ocorrido como previsto, garotos embriagando-se mais do que o normal, meninas sem sapatos dançando até o raiar o sol, nada de interessante para ele. O fascinante começou voltando para casa por volta das três da manhã. Em sua sala central, a moça nórdica o esperava com uma taça de vinho. Estava visivelmente solta, mas isso lhe dava um ar sensual.

Sufocado pelo receio de estar sendo inconveniente, tentou conversar, mas o limitaram-se a olhares recíprocos. Qual a necessidade de deixar claro o que estava acontecendo? Esse mundo criado pela mente era de beleza inigualável, e ele nunca iria viver nada próximo daquilo.

Não é porque esse sonho já tivesse estado tão próximo a uma realização que poderia considerá-lo concreto. E a existência dessa história também não prova que o protagonista saiu vivo dela. Acordou disso quase de manhã, com o sol se preparando para nascer. Sentou-se na cama por alguns minutos. De início, riu bastante do que havia acontecido, mas não deixou de chorar um pouco por não ter tido o desfecho desejado.

Foi até a varanda do hotel observar a luminosidade da noite se desconfigurando. Afinal, a glória do ser humano não é apenas sonhar, mas viver também, sempre sem esquecer que o que universo oferece nunca vai chegar perto do esplendor que o cérebro cria e guarda.

Zeca Lemos


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