terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Na bateria



Um sentimento de remorso me atingiu, fiquei abatido e melancólico. Todas as guardas emocionais foram recolhidas, e eu me lembrei de momentos que nem conseguia recordar direito. Eram lembranças que me pareciam importantes, mas eu não conseguia torná-las concretas. Foi algo a respeito de uma paixão que eu tinha pelo jazz, quando era adolescente.

Adorava estudar sobre os sons produzidos por uma bateria. Até cheguei a ter uma, quando juntei dinheiro durante uns anos. Certa vez, um homem me viu praticando na garagem da minha casa e começou a me olhar mostrando algum interesse. Ele tinha o olhar inconstante, ficava oscilando entre ver o telhado e se fixar na minha performance. Seu rosto estampou uma expressão séria, porém não falou nada.

Quando parei de treinar, fui visitar um amigo que morava nas adjacências e, nesse instante, o homem apareceu. Dessa vez, sorriu e pediu que eu anotasse  o meu contato. Estranhei bastante a maneira como ele estava fazendo isso, mas fingi não estar incomodado e concordei. Ele praticamente não me permitiu escutar sua voz, mas seus olhos me gritavam alguma coisa que parecia incomum.

No dia seguinte, ele me ligou sugerindo que eu fosse a um endereço num determinado horário. Muito confuso, cheguei lá pontualmente. Um empresário logo apareceu, querendo conversar comigo. Ficou horas debatendo sobre o futuro profissional que eu poderia ter e expondo as oportunidades que iriam surgir.

Falou com tanta confiança, que realmente acreditei que poderia ter sucesso. Esforcei-me bastante para o campeonato que haveria no mês seguinte. Eu nunca tinha me empenhado tanto em função de um objetivo na minha vida inteira. Era uma coisa quase insana. Em algumas noites, o sangue das minhas mãos calejadas chegava a escorrer pela bateria.

Briguei com diversas pessoas por causa de estresse emocional e tive vários conceitos mudados nesse período. No dia decisivo, o sentimento era de apreensão. Todas as pessoas ao redor me pressionavam como leves tiros na minha perna. Comecei mal meu desempenho, e quase toda a plateia aparentou estar decepcionada comigo. Até eu fiquei pensando que era um desgraçado, mas decidi abrir mão da minha saúde mental e encontrei forças para continuar.

Foram cerca de 40 minutos naquele palco. Tempo que durou mais que todos os choros que tive quando criança. Minutos para romper com qualquer limite emocional que eu pensava que tinha. Era inacreditável. Eu sentia que pararia de respirar em algum momento, mas minha velocidade na bateria só aumentava, como se nada fosse mais importante que aquela conquista.

O campeonato acabou, eu me joguei loucamente no chão e venci. O público se mostrou estarrecido, pensando que ninguém poderia doar-se tanto como eu. Foi um negócio de outro mundo, um fenômeno para deixar todos boquiabertos. A dor era tão imensa que eu não conseguia levantar-me. Só chorava, não entendendo por que tinha sido inconsequente a ponto de não respeitar a mim mesmo. Eu revirava os olhos, esbanjando o branco marejado, como um touro sendo violentado no matadouro. Se o conceito de sucesso era uma coisa daquelas, eu preferiria ser um fracassado.

Zeca Lemos



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